A Geometria do gosto: Terroir e diversidade
Diversidade e cultura são como duas marcas dentificadoras independentes, que agem sobre indivíduos ou no nosso caso, sobre uvas e seus respectivos vinhos, de modo a lhes conferir singularidades. Para um gosto mais universalizado, é preciso uma dispendiosa interferência do enólogo, no sentido de tornar o vinho reconhecível, o que se por um lado cerceia a real expressão da natureza, que não trabalha em função do paladar de maiorias, por outro garante fidelidade e bem-estar de alguns adeptos da inflexibilidade do sabor (para os quais uma garrafa de Chardonnay, tal como uma de Coca-Cola, deve possuir o mesmo gosto sejam elas fabricadas onde for).
Nenhum problema em não se divertir com as surpresas da ousadia, é apenas um ponto de vista possível. Para os que anseiam e se satisfazem com produtos que soam como variantes às vezes distantes do original, o terroir e uma dada cultura local fazem a diferença. É precisamente o caso dos Chardonnays da região de Jura, no leste da França!
A grande particularidade desta área vitícola francesa reside em seus “vinhos amarelos” (Vins Jaunes), elaborados á partir da casta Savagnin, que possuem como marca registrada os traços de oxidação, obtidos por uma vinificação em que as leveduras desempenham um papel semelhante aos dos vinhos de Jerez, na Espanha.
Seus vinhos brancos são em geral, varietais de Savagnin, Chardonnay ou uma mistura de ambas. Mas não é raro que os vinhos de Chardonnay passem em algum momento por barricas usadas para a elaboração dos Vins Jaunes, resultando no que chamam localmente de aquisição de um “goût de jaune”, ou seja, o “gosto amarelo” que evoca a intensa mineralidade dos vinhos da região e traços de sabor advindos de leveduras. Enfim, estamos a desvelar sabores únicos e típicos de uma microrregião, em nada similares a um gosto global de Chardonnay. Assim é o sabor do Jura!
Este paladar absolutamente diferente é exatamente o “ponto fora da curva” ou no sentido geométrico ao qual lhe atribuí, o sabor que “tangencia” o padrão original da Chardonnay que acaba por ser o único ponto de concordância destes vinhos, assim como a tangente é o único ponto comum entre uma reta que toca uma curvatura.
Some-se a tudo isso o fato dos vinhos do Domaine Tissot (Importadora Delacroix) serem de cultivo orgânico, desta forma esqueçam a presença de artefatos que concorrem para uniformizar o sabor, tal como os sulfitos. O resultado é que a uva assim tratada, pode oferecer o que chamamos na enologia, da noção de “transparência”, ou seja, o vinho resultante expressa com clareza e mínima interferência todas as características do seu terroir. A análise do vinho na taça, mostra coloração amarela concentrada, aromas de flores em meio a tostado, típicas notas de leveduras de vinhos criados sob as borras das mesmas (sur-lies) e intenso caráter frutado, sobressaindo-se em particular o caju e a pitanga (tal como em alguns Borgonhas). Na boca é macio, de muito boa acidez, bom corpo, equilibrado e razoavelmente longo.
No vinho como na fruição das artes, a previsibilidade pode ser aprazível, mas nos priva de informação. Viva a diversidade da vida!
Santé!
Por André Logaldi
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